Quem é das décadas de 1980 e 1990
já deve ter visto em programas de auditório uma pessoa falando um portunhol
arrastado, dizendo “bem dormido, bem dormido”, hipnotizando as pessoas e enfiando
agulhas em partes do corpo destas, sem que as mesmas percebessem ou sentissem
dor... Ou então, para a turminha da atualidade, que nasceu a partir dos anos
2000, devem conhecer um youtuber que faz mágicas e atualmente também faz
demonstrações de hipnose com artistas e famosos... O primeiro, Fábio Puentes,
fez história no Brasil ao popularizar uma prática que foi durante muitos anos
marginalizada no Brasil, o segundo, Pyong Lee, hoje faz a fama com a garotada
ao apresentar um pouco desta nas redes sociais: o que ambos tem em comum? São HIPNOTISTAS DE PALCO, mas qual a diferença disso para um profissional que usa a
hipnose no contexto clínico?
O hipnotista de palco tem como objetivo o entretenimento, e eles acabam por representar duas possibilidades ao público: a primeira delas é a de popularizar a hipnose no meio leigo, despertando o interesse da população sobre o tema; a segunda delas é, muitas vezes, deformar a concepção que as pessoas tem sobre o assunto, graças ao sensacionalismo que pode ser gerado sob a prática. Por sua vez, a hipnose clínica é a aplicação da técnica para fins psicoterapêuticos, em ambiente especificamente preparado para isso e seguindo uma linha de pensamento clínico para intervir ou modificar o comportamento do interessado em algum elemento.
Mas antes de prosseguir com o
texto, é preciso ressaltar dois pontos. O primeiro deles é que não existe um
único tipo de hipnose, mas existem vários tipos – ela pode ser feita de
diferentes formas, e cada profissional segue uma escola de pensamento e tem um
estilo, uma forma de fazer ou uma corrente teórica. Sobre isso quero retomar em
outro texto.
Hipnotista, hipnólogo, hipnotizador e hipnoterapeuta
Você pode encontrar vários nomes
ou designações para a pessoa que sabe utilizar-se das técnicas da hipnose, e no
senso comum, elas parecem ter o mesmo significado, mas ao analisar com um pouco
mais de profundidade você verá que não.
De todos os termos, podemos
encarar o hipnotista e hipnotizador como análogos: qualquer
pessoa que pratica a hipnose. E muita gente pratica a hipnose – alguns de forma
consciente, outros não! Sim, isso é possível! É possível hipnotizar uma pessoa
sem saber que está fazendo isso. E também é possível entrar em transe hipnótico
sem saber que passou por ele. Também quero dedicar outro texto no futuro à isto (me ajudem a
lembrar, por favor).
O hipnólogo é, comumente,
compreendido como a pessoa que estuda e pratica a hipnose. Se no primeiro caso
(hipnotista) nós falamos de uma pessoa que tem a prática, simples e pura, neste
caso nos referimos à pessoa que possui o trabalho intelectual de desenvolver e
aprender de forma sistemática algum método hipnótico.
O hipnoterapeuta, por sua vez, é
a pessoa que se utiliza da hipnose como forma de trabalho terapêutico, para
solucionar algum problema ou desenvolver algum tipo de habilidade.
Todo psicólogo hipnotiza?
Não! Na verdade a imensa maioria
não sabe como se faz isso, e nunca assistiu sequer uma aula ou estudou algum
texto acadêmico sobre! São pouquíssimas universidades no país que desenvolvem o
tema. Alguns profissionais lidam com o tema de forma en passant, ao pegar algum
texto de psicanálise e descobrir que Freud abandonou a hipnose como forma
terapêutica.
Ironicamente, apesar de ter
contribuído muito para o surgimento da clínica psicológica, este tema foi
desprezado durante décadas, por uma série de fatos, mas sendo, em meu ponto de
vista, o principal deles relacionado à sua explicação primitiva do “criador” da
técnica, Franz Anton Mesmer (1734-1815) de que os processos hipnóticos se davam
por conta de um “fluído magnético” que nunca existiu no corpo humano. Mas não é
porque a explicação de um fenômeno estava equivocada que tal fenômeno deixa de
existir: a hipnose é um fato!
E fato este pouco explorado!
Hoje, você só vai encontrar com facilidade dois grupos de pesquisa que exploram
o tema no Brasil nas faculdades: um na USP e outro na UnB. E por isso,
pouquíssimos estudantes de psicologia tem se dedicado ao tema no Brasil. Por
isso a maioria das pessoas que divulgam seus trabalhos na área de hipnose tem
suas formações em Institutos ou cursos livres pelo país (alguns bons, outros de
qualidade muito duvidosa).
Então, por isso, há uma grande
diferença entre um hipnoterapeuta (que pode ser qualquer pessoa que tenha uma
formação em hipnose) e um psicólogo que
se utiliza da hipnose como técnica ou método terapêutico.
A hipnose e a psicologia
Quando você é um psicólogo que
sabe utilziar a hipnose, você não a encara como se ela fosse a resolução de
todos os problemas do cliente, ou como se ela fosse aqueles cartazes de
cartomantes que você encontra nos postes prometendo trazer a pessoa amada em
três dias: você percebe, como profissional do desenvolvimento humano, que ela é
uma dentre as inúmeras ferramentas que o psicólogo pode atuar, e que ela não
cabe em todo e qualquer lugar.
Várias são as definições
possíveis de hipnose, vai depender do referencial teórico do pesquisador (se é
psicanalista, cognitivista ou behaviorista), onde as explicações psicológicas
do processo de transe podem ser dadas sob diferentes perspectivas de abordagem:
é possível usar o conceito de inconsciente como elemento central na explicação
dos processos hipnóticos, mas também é possível oferecer uma explicação sem
recorrer a este conceito.
E quero dizer com isso que, assim
como na psicologia, há diferentes abordagens ou métodos hipnóticos – não há uma
hipnose, mas formas diferentes, técnicas diferentes em hipnose: Mesmer tinha
uma forma de fazer, ainda no século XVIII, assim como Jean-Martin Charcot
(1825-1893), médico que deu aula para Sigmund Freud (1856-1939), que também
hipnotizava. Bem como outros nomes importantes na história da hipnose como
Vladmir Bekterev (1857-1927) e os mais contemporâneos como Dave Elman (1900 –
1967) e Milton Erickson (1901-1980).
As técnicas são as mais
diferentes possíveis: Charcot hipnotizava de uma forma, Freud de outra, Erickson
de outra. Ou seja, existem diferentes vias de promoção de processos de transe.
Afinal de contas, hipnose não é coisa de charlatão?
Não, não mesmo! É um processo
psicobiológico estudado há séculos que foi marginalizado por muitos autores da
psicologia moderna, e por acadêmicos preconceituosos da atualidade. Me lembro
de uma vez, durante um de meus cursos que fiz uma demonstração de uma técnica,
e depois, postando o material na internet um colega de profissão me presenteou
com esta ofensa: “você é um charlatão, hipnose é mentira”. O jovem me desafiou
a mostrar evidências científicas – dei-lhe uma lista com mais de 40 trabalhos
acadêmicos nos comentários sobre o tema.
E sim, existem vários trabalho
sobre, tanto no exterior, quanto no Brasil, do qual destaco a obra do meu
orientador de doutorado, Maurício da
Silva Neubern, professor da Universidade de Brasília, que se debruça sob o
assunto há mais de 20 anos. Somente este autor escreveu, recentemente dois
livros de muita qualidade: “Clínicas do Transe: etnopsicologia, hipnose e
espiritualidade no Brasil” (Org)., e o “Hipnose, Dores Crônicas e Complexidade:
Técnicas Avançadas”. Somente em seu Lattes são registrados em janeiro de 2020
mais de 80 trabalhos sobre o tema.
Enfim, o fato é que existem
pesquisas científicas sérias sobre o tema acontecendo em universidades do
Brasil, da França, dos EUA, e diversos locais do mundo, sendo
conduzidas por gente séria e mostrando que a hipnose não é somente uma coisa de
palco ou Youtube: ela é uma importante ferramenta terapêutica que agrega valor
ao repertório teórico de qualquer psicólogo.
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Sobre o autor
Murillo Rodrigues dos Santos é psicólogo (CRP 09/9447) graduado
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Brasil), com período sanduíche
e formação em Terapia de Casais e Famílias pela Universidad Católica Del Norte
(Chile). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil).
Doutorando em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília
(Brasil). Diretor do Instituto Psicologia Goiânia.
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