Quando alguém descobre que eu sou psicólogo e que, via de regras, utilizo de testes psicológicos na minha prática, me perguntam: “o que é que tem aquele teste dos pauzinhos?” e a resposta mais lúdica (e meio engraçada) que tenho para dizer é: “o pauzinho de ninguém é igual ao do outro”, mostrando de forma descomplicada que, mesmo não podendo dizer especificamente do que se trata, a forma como cada sujeito se expressa, inclusive sobre a produção gráfica no papel, é diferente, e isso pode dizer algo a respeito da personalidade de cada sujeito.
Tem sido cada vez mais comum a prática da avaliação psicológica em diversos âmbitos da vida pública: são aplicados testes em processos seletivos para vagas de emprego, para determinadas vagas de concursos públicos, para porte de arma, para retirada de primeira habilitação para dirigir, dentre as várias ocasiões possíveis, e o psicólogo cada dia mais tem sido peça fundamental neste processo.
Todavia, sua ação no processo de avaliação psicológica tem sido cada vez mais controversa, tanto pela atuação descuidada e antiética de alguns profissionais quanto pela maneira massificada com os quais outros têm realizado tal tarefa.
É comum no meio da psicologia ouvir histórias de alguém que foi reprovado no tal do exame “psicotécnico” do DETRAN (sim, para os que duvidam, é possível e relativamente comum que existam candidatos reprovados) e logo disparou: “Fui reprovado no maldito teste dos palitinhos”. Este teste que para alguns parece ser o cúmulo da tolice, na verdade não o é: foram empregadas décadas de estudos sobre padrões de comportamento humano e na maneira como a subjetividade se projeta através de aspectos gráficos produzidos pelo sujeito para que se chegasse a construção de tal instrumento.
Sim, olhando por alto, sem conhecimento científico, parece tolice pensar que um monte de palitinhos desenhados em uma folha serve para dizer alguma coisa sobre quem os desenhou, mas para os psicólogos treinados para “lê-los” eles dizem: são como impressões digitais, nenhum desenho é igual ao outro! Você poderia indagar, “mas eu mesmo não conseguiria repetir o mesmo desenho”, e eu diria, “sim, é impossível”, pelo simples fato de que esta “impressão digital” está sujeita ao momento em que o sujeito se encontra. Os sentimentos, os pensamentos, a condição de vigília do sujeito, a mesa, o tipo de lápis e de papel influenciam para que aquele momento seja único e singular. Embora os aspectos mais inflexíveis da personalidade sejam conservados, cada momento específico produz um grafismo diferente.
Recordo-me de uma vez em que era Psicólogo Organizacional Gerente de Recursos Humanos de uma grande empresa comercial, onde tinha que realizar um avaliação psicológica em candidatos para gerenciarem a área financeira do grupo de empresas da família, e um dos testes que utilizei foi o dos “pauzinhos”*. Lembro-me que sempre fui meio avesso a tais tipos de testes, por ter uma orientação teórica diferente das que geralmente deles se utilizam, mas neste momento teria que utilizá-lo, e neste dia tive uma grande aula prática: o sujeito, bem vestido, prolixo, inteligente, e convincente parecia ir bem, até o ponto em que realizou o teste… ao final, uma leitura “prévia” do teste já havia acendido um sinal de alerta, parecia algo errado com a organização do mesmo: quando revisei o manual de correção completo do teste, me surpreendi com a quantidade de elementos que corroboravam para uma personalidade manipuladora, com traços de perversidade e antissocialidade. Com o senso de “perigo” atiçado e como os candidatos assinavam um termo autorizando buscas de sua vida financeira pregressa nos órgãos de proteção ao crédito, foi possível realizar uma busca através do SPC e Serasa do candidato que, revelou um número muito alto de cheques devolvidos (quase uma centena) e débitos em bancos, lojas e outras instituições financeiras que chegavam a grandiosas cifras… Pensei comigo: “Ufa, benditos palitinhos”… Imagine contratar uma pessoa com tal perfil para trabalhar com as finanças de sua empresa?!
O que aprendi neste dia foi que um teste psicológico, quando aplicado com ética, de forma cuidadosa, e com um bom rapport, uma boa entrevista, somado a outros elementos que possam ser comparados em uma avaliação mais ampla, podem servir para traçar um panorama mais adequado da personalidade do sujeito.
O que devemos criticar é a aplicação do teste como “palavra última” da avaliação psicológica, ou da “coisificação” da mesma: afinal de contas, muitos fatores devem ser levados em consideração em um processo de avaliação, seja este para o fim que for – uma noite de sono mal dormida, se o candidato está passando mal (febre, dor de cabeça, gripe, etc), se o candidato está cansado, estressado, emocionalmente abalado ou sobre o efeito de algum tipo de medicamento, tudo isto faz com que um avaliação possa ser influenciada.
O que deve ser buscado acima de tudo em um processo de avaliação psicológica é o contato genuíno entre ambas as partes para que, de modo sensato, permita que todos entendam que este processo é para a simples verificação das possibilidades um do outro: tanto a empresa, ou qualquer outra instituição, quer saber se o candidato tem o perfil para uma vaga, quanto o candidato gostaria de saber se esta instituição tem o perfil para si.
E no final das contas, um monte de palitinhos desenhados em um papel, tem muito sentido, desde que integrado em um todo, que é muito mais amplo do que os 10 minutos onde se rabisca um simples pedaço de papel.
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* O teste dos “pauzinhos” chama-se “Palográfico”.
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Sobre o autor
Murillo Rodrigues dos Santos, psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Presidente da Rede Goiana de Psicologia.
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