O mundo em que vivemos é cheio de contradições, hipocrisias,
preconceitos, e o nosso papel enquanto psicólogos é ajudar a promover reflexões
que levem as pessoas para além disso... Isso não quer dizer, todavia, que
devemos ser aquela pessoa com fixação pela “quebra de tabus”, pois algumas
mudanças culturais são progressivas e frutos de evoluções, não de revoluções,
como pregam alguns ideólogos românticos.
Existem pessoas que tem verdadeira fixação em “chocar a
sociedade” como forma de afirmar seu lugar no mundo... isso é necessário em
alguns momentos, mas tal prática passa a ser contraproducente na medida em que
se torna rotineira. Como assim? Vou usar alguns termos técnicos que podem
exemplificar isso: estímulos escassos possuem maior poder de saliência e
fixação do que estímulos abundantes – em outras palavras, aquilo que acontece
demais tem maior probabilidade de perder a sua importância.
É aquela velha história do bobo da corte mentiroso que vivia
dizendo que o palácio estava pegando fogo, e no dia em que houve um incêndio
ninguém se importou e todo mundo ficou chamuscado. O que eu quero dizer com
isso é que precisamos nos atentar sobre a forma como expomos a nossa imagem no
mundo, especialmente no que diz respeito à construção da nossa imagem
profissional enquanto psicólogos, quando afirmarmos que não nos importamos com
o que a sociedade vai pensar sobre algo que fazemos.
No mundo em que vivemos, absolutamente cercado pela fluidez
de uma modernidade líquida, é cada vez mais difícil traçar os limites de tudo
na vida e no comportamento humano: pais não sabem dar limites para os filhos,
as redes sociais dificultam a separação entre o real e o fictício, as nossas
relações estão cada vez mais complicadas no que diz respeito aos limites do
público e privado, enfim... Estamos a cada dia que se passa com menos
referenciais de limites.
Quando me refiro a limites, não estou fazendo estritamente no
sentido de “limites morais”, mas de delimitações entre coisas, entre as
fronteiras de nossos campos psicológicos (os gestalt terapeutas vão gostar
dessa alegoria... hehehe). E isso se expressa muito nos relacionamentos
interpessoais: seja na clínica, ou na nossa própria rotina, vejo que as pessoas
estão com muita dificuldade em ter referenciais para o seu próprio
comportamento – as pessoas estão cada vez menos colaborativas, menos capazes de
dar feedback e os referenciais de
nossos pais e avós foram e estão sendo relativizados mais e mais, o que muitas
vezes nos deixa perdido sobre o que fazer diante de tantas vozes e pressões
sociais sobre o “certo e o errado”. E o que isso gera? Angústia e mais
angústia.
Nós devemos sim, nos preocupar em gerar reflexões capazes de
mudar o comportamento do outro, devemos desafiar a lógica do mainstream comportamental, devemos
acusar os preconceitos e mostrar novas formas para a sociedade, mas não podemos
fazer isso de uma forma narcisista como se todos fossem capazes de compreender
aquilo que estamos dizendo ou fazendo, partindo do pressuposto de o que estamos
fazendo é o “básico”... não, existem pessoas que não terão a mesma facilidade
que nós tivemos para flexibilizar o pensamento, para compreender novos padrões
morais, para romper com amarras e preconceitos, o que não quer dizer que tais
pessoas sejam retrógradas, atrasadas ou mereçam qualquer outro rótulo.
A forma de pensar de uma pessoa está ancorada em um sistema psicológico
que combina o afetivo e o simbólico em uma dinâmica de constante geração de
sentidos. Isso serve de alerta para nunca desprezarmos o poder do simbólico na
constituição da subjetividade humana: nem sempre as pessoas vão entender sua
ação política em postar a foto A ou B no Facebook, ou em postar aquele textão cheio
de chavões da teoria Z ou Y, ou qualquer coisa que seja...
As pessoas vão te conhecer e te julgar pela sua imagem, ou
pelo fragmento dela que você expõe, e muitas vezes, os resultados de sua ação
política escaparão à sua intenção inicial – Edgar Morin chama isso de Princípio Ecológico da Ação, que mostra
que quando a sua ação cai no mundo das interações sociais, ela passa a ter mais
implicações do que podem ser previstas. Por isso, é preciso que você pense,
enquanto profissional da psicologia, que em um mundo de tanta compulsão,
equilíbrio pode ser um tempero fundamental na sua saga de fazer as pessoas mais
conscientes de seus sentimentos, pensamentos e atitudes. Por isso, devemos
refletir com cuidado sobre a nossa imagem, sobre a forma como estamos
construindo-a profissionalmente, e em como podemos caminhar para evoluir a
sociedade. E se for “lacrar”, lacre com moderação.
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Imagem: Bill Sikes, Associated Press
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Sobre o autor
Murillo Rodrigues dos
Santos, psicólogo
(CRP 09/9447) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Brasil),
com formação em Terapia de Casais e Famílias pela Universidad Católica del
Norte (Chile). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás
(Brasil). Possui formações em Gestão, Empreendedorismo e Políticas pela
Fundação Getúlio Vargas (Brasil), Fundación Botín (Espanha), Fondattion
Finnovarregio (Bélgica), Brown University (EUA) e Harvard University (EUA).
Diretor do Instituto Psicologia Goiânia, psicólogo clínico e organizacional.
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